domingo, 16 de janeiro de 2011

A NATUREZA IMPÕE SUA PAUTA

CNT_EXT_288090 Quanto ao número de vítimas fatais, devastação e prejuizos materiais, a trajédia da Região Serrana do Rio está confirmada de se tratar de um dos dez piores deslizamentos de terra registrados em todo o mundo desde o ano 1900 e também (até a data dessa reportagem), a segunda pior tragédia climática da história do Brasil. Enquanto acompanham os trabalhos de resgate e a contagem das vítimas, os repórteres também resgatam os sinais de irresponsabilidade que emergem da lama. Um deles: mais de trinta projetos com propostas para minimizar os efeitos das enchentes estão parados no Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, a bancada ruralista ainda tenta acelerar o projeto – com relatoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) – que reduz ainda mais as exigências para proteção das margens dos rios, dispensa pequenas e médias propriedades de manter reservas legais de floresta e torna fato consumado os desmatamentos ilegais. 
Comunicação para a vida 
Como lembra o colunista Marcos Sá Corrêa no Estadão, basta olhar as fotografias aéreas das avalanches em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo para saber aonde vai levar o novo Código Florestal em gestação. O deputado Rebelo e seus associados certamente estão neste momento elaborando notas de condolências destinadas às famílias das vítimas e provavelmente nem se deram conta de que a proposta que defendem, se vier a ser aprovada, vai agravar ainda mais a situação em muitas áreas de risco pelo Brasil afora. Ainda timidamente, os jornais começam a compor o mosaico das irresponsabilidades que deságuam em tragédias. As reportagens das edições de sexta-feira (14/1) contam como a falta de comunicação entre autoridades impediu que muitos moradores da região serrana do Rio fossem alertados sobre a tempestade que chegava. Ao contrário da Austrália, onde as comunicações oficiais têm permitido salvar vidas na região de Brisbane, afetada por inundações, por aqui a notícia só chega com a contagem dos cadáveres. 
Cadeia burocrática 
Como a imprensa poderia contribuir para alterar esse quadro de insensatez? Certamente, atacando sem concessões o projeto criminoso que alivia as responsabilidades quanto à preservação ambiental. Outra forma de contribuir é esclarecendo onde falham as políticas públicas: num dos debates da televisão sobre os acontecimentos no Rio, um comentarista da GloboNews criticou o fato de o governo federal anunciar verbas que nunca chegam às vítimas de catástrofes. Foi preciso que outro comentarista, especializado, esclarecesse que as verbas só podem ser aplicadas mediante a apresentação de projetos por parte das autoridades municipais e estaduais. Esclarecer como funciona e cobrar eficiência nessa cadeia burocrática seria uma atitude positiva da imprensa. Outra atitude seria trocar a visão imediatista pelo olhar de longo prazo, ajudando a sociedade a exigir medidas preventivas e a se mobilizar contra iniciativas irresponsáveis como a da flexibilização do Código Florestal. Também é preciso dar "nomes aos bois", independentemente de eventuais simpatias políticas. A Folha de S.Paulo informa, por exemplo, que o sistema de Defesa Civil fluminense recebeu do serviço de meteorologia um aviso sobre a possibilidade de chuvas na região serrana, mas por uma sucessão de falhas esse alerta não chegou a todos os municípios afetados. 
Pauta dramática 
A combinação das chuvas torrenciais com a fragilização dos morros pela ocupação desordenada e o desmatamento são as causas da grande extensão da tragédia, segundo os especialistas citados. Desde que foi divulgado o mais preocupante relatório sobre mudanças climáticas, há quatro anos, sabe-se que é preciso atentar para a radicalização de alguns fenômenos meteorológicos. A imprensa demorou a assumir como real a urgência climática. Tragédias como a que assistimos nesta semana são uma forma brutal de a natureza impor sua pauta aos jornais. 
Por Luciano Martins Costa.

Nenhum comentário: